quarta-feira, 26 de maio de 2010

CASOS DE CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ACTO DEVIDO

Os casos que se seguem encontram-se no livro de casos práticos do Prof. Vasco Pereira da Silva (VPS) serviu de base às nossas aulas práticas deste semestre (pp. 28 e ss.).

CASO I

O meio contencioso de condenação à prática do acto devido vem previsto nos artigos 66º ss. CPTA. É um dos meios que segue a forma de acção administrativa especial. Este meio só deve ser utilizado quando a situação do particular se reconduza a uma das alíneas do 67º/1 CPTA. Assim, porque se o particular pretender que a Administração (AP) pratique um acto material que não seja em si um acto administrativo, deverá ao invés, socorrer-se da acção administrativa comum de condenação (vejam-se as alíneas c, d, e do artigo 37º CPTA).

Como introdução à resolução destes casos é essencial referir que alguma doutrina defende o desaparecimento do indeferimento tácito. Isto por força do 67º/1a’ CPTA, que se diz ter vindo revogar o 109º CPA.

Não obstante, existe claramente um dever legal de decidir até ao momento em que a AP pratique efectivamente o acto, quando esta tenha sido chamada a actuar pelo particular (nomeadamente através de pedidos de actuação, licenciamento, etc.).

Relativamente ao caso em apreço B pediu que lhe fosse atribuída uma licença de moradia a construir. Ora tendo o seu pedido apresentado a 16/06/2008, não tinham ainda passado à data de 16/07/2008 os 90 dias que a AP tem para decidir o respectivo pedido – 109º/1, 2 e 3a’ CPA. Consequentemente não parece ter nascido ainda na esfera jurídica de B a possibilidade de propor acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido. Não há, àquela referida data, uma omissão constituída e concretizada passível de ser sujeita a juízo.

No que se refere à legitimidade, entendemos que B seja claramente legítimo activo de acordo com o 68º/1a’ CPTA.

Quanto ao prazo, pode ver-se claramente que B ainda estaria apto a propor acção, visto que o ano previsto no 69º CPTA só começa a contar a partir do decurso dos 90 dias do 109º/2 CPA. Ainda no que concerne a este prazo do 69º CPTA existe uma curiosa divergência doutrinária: Vieira de Andrade (VA) entende que sempre que o indeferimento expresso seja nulo (ou se considere ser nulo) há aplicação analógica do 69º/1 CPTA, havendo apenas o prazo de um ano para se poder intentar a acção de condenação à prática do acto devido; já Mário Esteves de Oliveira (MEO) entende diferentemente que tendo em conta a invalidade em casa deve considerar-se não haver prazo para propor acção, podendo esta ser proposta a todo o tempo. Tendemos a seguir a opinião de VA, já que nos parece que a posição de MEO pode levar a um “abuso” por parte dos particulares, designadamente nas situações em que não haja previsão legal do tipo de vício que respeita ao acto, devendo ser o tribunal a pronunciar-se sobre o mesmo.

Tendo em conta o exposto damos razão à Câmara Municipal (CM) quando alega haver falta de pressuposto por não ter decorrido o prazo para a decisão.

Acrescentamos que se nesta sequência a CM tivesse proferido um indeferimento expresso, poderia B:

1. Impugnar, em primeiro lugar o acto de indeferimento expresso, e posteriormente pedir a condenação à prática do acto devido (chama-se aqui à colação a possibilidade do juiz poder orientar o autor neste sentido – 51º/4 CPTA que decorre ainda que indirectamente do princípio de pro actione do artigo 7º CPTA);

2. Propor concomitantemente as duas acções cumulando as suas pretensões, sendo que a acção seguiria a forma de acção administrativa especial. Trata-se aqui de uma cumulação de pedidos admissível à luz do 47º/1, 2 a’ e 46º/ 2 a’ CPTA, sendo que passa ainda no crivo do 4º/2 a’ CPTA. Para tal teria que respeitar o prazo de três meses exigido pelo 69º/2 CPTA.

A cumulação inicial ou superveniente é essencial para que os particulares obtenham plena satisfação quanto às suas pretensões. Contudo se por alguma razão o particular não cumular este tipo de pedidos, o nosso legislador confere a hipótese de em sede de execução, quando se tenha proposto uma acção de impugnação de acto administrativo, se proceder a esta cumulação. Tal ocorrerá, porque na ausência daquele tipo de cumulação proferem-se sentenças anulatórias que podem não ser suficientemente descritivas de como deve a AP actuar, sendo necessária essa concretização para que o particular veja respeitado o seu direito a uma tutela jurisdicional efectiva (268º/4 CRP).

CASO II

O caso é referente a uma acção de condenação à prática do acto devido: o acto de pagamento de um subsídio (66º, 67º/1a’ CPTA). A acção é tempestiva por estar dentro do prazo de um ano previsto no 69º/1 CPTA.

Um dos problemas a discutir neste caso é saber se o que o Ministério da Agricultura alegou podia ser objecto de acção de condenação à prática do acto devido (66ºss. CPTA): A não tinha qualquer direito ao subsídio.

Cabe-nos precisar que não se pode confundir um direito ao subsídio com um pagamento de subsídio. Este último sim, configura um acto administrativo. Deste modo, só poderá haver acção de condenação à prática do acto devido quando haja um deferimento quanto ao pedido de subsídio.

Para além disto, não se deve considerar procedente a argumentação do Ministério da Agricultura no que diz respeito à desadequação do meio utilizado por A. Na verdade o que é pretende é que se produzam efeitos jurídicos, o que significa que A procedeu bem quando adoptou o meio referido. Não se está diante uma situação em que o particular pretenda produção de efeitos meramente materiais, situação esta que deve ser submetida a uma acção comum, nos termos que vimos no caso anterior.

Assim, o ministério tinha o dever de decidir. Este dever de decisão não tem que ser, contudo, favorável ao particular. O direito que se constitui na esfera jurídica de A é precisamente um direito à apreciação da sua pretensão em obter um subsídio.

CASO III

Em causa está um acto de conteúdo negativo, que pode ser também alvo de acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido – 67º/1b’ CPTA.

Em conformidade com o 66º/3 CPTA pode ser requerida uma sanção pecuniária compulsória. Contudo tal sanção não é automática, sendo o tribunal que deve decidir da sua aplicação – 169º/1 e 3º/2 CPTA. Levanta-se aqui uma questão importante: a sanção compulsória só pode ser aplicada ao órgão competente. Ora, o particular pretende que seja aplicada ao Presidente da CM. Tem que se aferir em concreto qual o órgão competente para atribuir a licença, para que haja uma efectiva coincidência entre a sanção e a eventual condenação que advirá da acção de condenação à prática do acto devido.

Deve ainda problematizar-se o facto de o particular pretender obter a licença por decisão judicial. Se a decisão de atribuição da referida licença não for um exercício vinculado, por decorrer directamente da lei, então dificilmente o tribunal poderá vir a condenar a CM a emitir uma licença. A única poder que o tribunal terá será em obrigar a CM a decidir e a apreciar a emissão da licença. É neste sentido que estabelece o 71º/2 CPTA. Deve haver como se sabe um respeito por parte dos tribunais relativamente ao que seja espaço livre para a AP decidir, invocando-se aqui o princípio da separação de poderes. Isto porque perante uma situação, pode a AP actuar legítima e legalmente de duas ou três formas que sejam legalmente admissíveis (margem de livre apreciação). Também pode acontecer que em determinados casos no plano material a discricionariedade da AP se veja reduzida a uma só possível actuação. A AP tem ainda discricionariedade no preenchimento de conceitos indeterminados.


Helena Casqueiro, subturma 7

terça-feira, 25 de maio de 2010

Processos Cautelares

Os processos cautelares, regulados nos artigos 112º e seguintes do CPTA, qualificam-se como processos urgentes (artigo 113º/2 do CPTA). Caracterizam-se ainda pela sumaridade da cognição, ou seja, pelo conhecimento mais limitado da questão principal. Da redacção do artigo 112º CPTA retira-se ainda que são admitidos quaisquer tipos de providências cautelares, desde que possam assegurar a utilidade da sentença.

Podemos agrupar as providências cautelares em duas modalidades: as conservatórias e as antecipatórias. Conservatórias são aquelas que têm como objectivo manter ou preservar uma situação que já existe, permitindo ao requerente a manutenção ou exercício de um de um direito ou gozo de um bem. Por sua vez, são antecipatórias quando está em causa a prevenção de um dano, sendo colocado previamente à disposição do requerente um bem ou um gozo de um benefício a que pretende ter direito, mas que lhe é negado. A lei no nº 2 do artigo 112º CPTA enumera, a título exemplificativo, as providências cautelares que podem ser utilizadas. É de realçar que para que possamos ter uma providência cautelar basta que esta seja adequada a assegurar a utilidade da sentença.

São vários os requisitos para que possamos recorrer as providências cautelares. Entre eles temos a exigência de que haja um perigo de inutilidade, total ou parcial, decorrente do passar do tempo, da abstenção ou pronúncia administrativa, encontrando a manifestação deste princípio no artigo 120º/1/b) do CPTA. Cabe ao requerente provar que existe um perigo e que deste resultem consequências que justifiquem a necessidade da cautela que é pedida. Cabe fazer uma consideração quanto a este requisito, decorre do artigo 120º/1/a) que ao não ser feita menção deste requisito, nos casos em que seja evidente a procedência da pretenção formulada pelo particular, o tribunal não terá de fundamentar a decisão de conceder providência cautelar no requisito em causa.

A desnecessidade de fundamentação no caso acima mencionado leva-nos ao próximo requisito: a consagração da juridicidade material como padrão da decisão cautelar. Segundo este o juiz deve avaliar a possibilidade, ou não, da procedência da acção principal (artigo 120º/1/a) do CPTA). Assim, quando se concluir que é elevada a probablidade da pretenção do requerente ser deferida, poder-se-à adoptar uma providência cautelar. O Prof. José Vieira de Andrade considera que o artigo 120º/1/a) do CPTA deve ser interpretado no sentido de só se aplicar às situações mais graves de nulidade, tais como as que constam da exemplificação legal, sendo necessário nos restantes casos a verificação da perigosidade e ponderação de interesses.

A decisão de recusa ou concessão de providência é marcada pelo princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 120º/2 do CPTA. Segundo este é necessário ponderar todos os interesses, assim quando o prejuizo resultante da concessão da providência for superior ao prejuízo causado pela sua recusa, mesmo estando verificados os outros requisitos, não se concede a providência cautelar. Esta ponderação também não é necessária perante os casos do artigo 120º/1/a) do CPTA. Em suma, o que está em causa neste requisito é a ponderação dos danos e prejuízos.

Nos termos do artigo 120º/3 do CPTA as providências devem limitar-se ao necessário para evitar a lesão dos interesses do requerente. Por este motivo é concedido ao tribunal um poder discricionário mediante o qual poderá conceder providências que não tenham sido requeiridas, em substituição ou cumulação da que foi pedida, desde que evite a lesão do requerente e seja menos gravoso para o interesse público.

As providências cautelares são marcadas pela provisoriedade face à decisão principal, uma vez que não pode ser substituída, e caducam com a sua decisão. É de realçar que a manifestação deste carácter provisório é a possibilidade prevista no artigo 124º do CPTA, pois permite rever a decisão da concessão ou recusa de providências cautelares. As providências cautelares são ainda marcadas pela instrumentalidade, ou seja, a dependência na função e na estrutura da acção principal.

Para concluir é necessário referir a possibilidade de haver convolação do processo cautelar em processo principal, permitindo, assim, ao juiz a antecipação do juizo de fundo caso se revele urgente para a resolução do caso.


Marina Mendes subturma 8

Algumas Ideias sobre Legitimidade Activa, na Acção Administrativa Especial, à luz do CPTA

A questão da legitimidade das partes no processo administrativo é, tratada no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) a dois níveis. Num primeiro nível mais geral e abstracto regulando a Acção Administrativa Comum e a Especial, e dentro destas os vários tipos de pedidos (v.g. de Impugnação de Actos Administrativos, de Condenação à Pratica de Acto Legalmente Devido, de Impugnação de Normas e Declaração de Ilegalidade por Omissão). Num segundo nível existem varias normas sobre legitimidade das partes, específicas para cada tipo de acção.
No art.º 9º do CPTA é mencionada a legitimidade activa no primeiro nível, como um direito subjectivo, que se baseia numa relação administrativa substantiva. Quer isto dizer que, quando a administração actua na prossecução de fins públicos, pelos mais diversos meios (v.g. acto administrativo, regulamento, etc. …), já não está a agir de forma agressiva, mas sim no âmbito de uma relação jurídica em termos de paridade entre o indivíduo e a administração. Dotando o interessado, de um direito protestativo de recorrer da decisão da administração que lhe seja dirigida, da qual tenha resultado um dano injustificado, tanto pela actuação como omissão da administração, nos seus direitos ou interesses.
Nas Acções Administrativas Especiais, num segundo nível, encontramos regras muito similares, que pouco acrescentam a esta regra geral. Assim temos os art.os 55º/1/a) e 68º/nº1/a), que nos fala em interesse directo e pessoal do titular do direito subjectivo, que tenha sido lesado ou que tenha direito a que a administração se pronuncie expressamente. No art. 9º/nº2, 55º/1/c) e no 68º/1/b) estão previstas as pessoas colectivas de direito privado, que, pela sua natureza e, pelo princípio da especialidade, estão limitadas a pedidos dentro da sua capacidade de gozo.
As pessoas colectivas de direito publico, têm legitimidade para desencadear um processo administrativo, nos termos dos art.º 55º/nº1/c), 68º/nº1/b), 73º/nº1. Nos art.º 73º/nº3 e 77º/nº1, por via de pedido ao M.P. desde que aleguem um prejuízo com a ilegalidade ou a omissão da administração. Mas também nos termos do art.º 9º/nº2, podem recorrer a acções públicas ou populares.
Quanto à legitimidade do Ministério Público, temos o art.º 9º/nº2, conformando, a nível geral de toda a sua actividade, quando intervenha no processo como parte, como uma actuação independente de qualquer interesse pessoal, com o fim de protecção e defesa dos valores e bens jurídicos protegidos pela constituição, bem como o património do Estado, Regiões Autónomas e Autarquias Locais, mais como um guardião da legalidade da actuação das entidades administrativas. Temos, no entanto, manifestações específicas desta previsão, tal como o art.º 55º/nº1/b) em condições idênticas e o art.º 68º/nº1/c), desde que o dever de praticar o acto resulte da lei directamente, além dos bens e valores constitucionalmente protegidos ou direitos fundamentais, quando haja uma ofensa a estes ou razões de interesses público especialmente relevantes. Devemos aderir neste ponto à opinião de Vasco Pereira da Silva, que faz uma interpretação correctiva deste artigo, permitindo-se a intervenção apenas quando estejam em causa interesses públicos particularmente relevantes. Pois como foi dito a Acção de Condenação à Pratica de Acto Legalmente Devido é de natureza subjectiva, isto é, visa proteger e tutelar direitos e interesses particulares que pediram à administração que actuasse numa determinada situação jurídica e esta não actuou expressamente mas sim tacitamente (cfr. do art.º 66º/nº1 do CPTA). No art.º 73º/nº3 o MP também poderá pedir a declaração de ilegalidade de normas, sem a necessidade de que estas tenham sido desaplicadas por um tribunal em três casos concretos, com o fundamento, precisamente, na sua ilegalidade. E também o art.º 77º/nº1, quando a administração esteja numa situação de omissão legislativa, que invalide que determinados actos legislativos não se possam executar, pode pedir a declaração de ilegalidade por omissão.
Os órgãos administrativos de uma pessoa colectiva pública, podem intentar uma Acção de Impugnação de Actos Administrativos contra outros órgãos da mesma pessoa colectiva (art. 55º/nº1/d) do CPTA). Penso que este artigo, deve aplicar-se as demais situações, pois estando a administração pública cada vez mais a abandonar o dogma das relações hierárquicas (cada vez mais relacionais, cfr. Vasco Pereira da Silva), faz sentido abranger situações que extravasão a pessoa colectiva (surgindo entre pessoas colectivas distintas), e alargar a outro tipo de acções que não apenas esta. Mas não tendo o código consagrado esta possibilidade apenas é possível, actualmente, em acções de Impugnação de Actos Administrativos, e só entre os órgão da mesma pessoa colectiva. De referir também, nesta sede o art.º 55º/nº1/e), relativo ao Presidente de órgãos colegiais, quanto às deliberações tomadas por esse órgão.
Em sede de Acção Pública e Popular, em que qualquer pessoa ou entidade poderá demandar, a legitimidade aparece referida no art.º 9º/nº2, onde não se exige interesse pessoal e directo na demanda, apenas um interesse difuso ou indirecto, relativo a bens e valores constitucionalmente tutelados. Os restantes artigos relativos ao actor público e popular, aparecem apenas como remissões (art.os 55º/nº1/f), 68º/nº1/d), 73º/nº3 e 77º/nº1 todos do CPTA). Importa ainda referir a figura do art.º 55º/nº2 que permite a qualquer particular impugnar deliberações de órgãos autárquicos. Defendendo o Prof. Vasco Pereira da Silva, que esta acção foi englobada pela acção popular, pois esta é mais abrangente e os requisitos são mais amplos, já não fazendo sentido esta figura no actual Contencioso Administrativo.


Helder Ferro Gonçalves
Subturma 8

Impugnação de Normas - Possível Inconstitucionalidade do art. 73 Nºs 1 e 2 CPTA



1. “Velho” versus “Novo” Regime de Impugnação de Normas:

Antes da reforma de 84/85, era possível reagir contenciosamente contra regulamentos administrativos mediante três formas distintas:
1, Via incidental: o regulamento era apreciado apenas indirectamente, como incidente da questão principal, pois o que estava em causa era o recurso directo de anulação de um acto administrativo cuja ilegalidade era consequente da aplicação de regulamento inválido, levando à anulação do acto administrativo, que vinha acompanhada da não aplicação do regulamento ao caso concreto, mas não levava ao afastamento do regulamento ilegal em abstracto.
2, Um meio processual genérico: A declaração de ilegalidade de normas administrativas (art.66 LPTA), era um meio utilizável contra qualquer norma regulamentar, independentemente do órgão ou da entidade de que fosse proveniente, mas na condição de se tratar de uma norma exequível por si mesma, ou de já ter sido antes declarada ilegal ( a titulo incidental) em 3 casos (art.51/1/a LPTA).
3, Um meio processual especial: A impugnação de normas (art.63 e seguintes da LPTA). Este meio tinha um âmbito de aplicação limitado, pois respeitava apenas a regulamentos provenientes da denominada administração local comum, mas em contrapartida não estava sujeito às condições estabelecidas para a via anterior, verificando se uma espécie de assimilação processual dos regulamentos aos actos administrativo.

Deste modo, antes da reforma, o contencioso dos regulamentos administrativos era marcado pela ideia de dualidade de meios processuais. Dualidade, considerada por VASCO PEREIRA DA SILVA, como de “esquizofrénica”, já que os referidos meios processuais apresentavam requisitos diferentes, para realidades que eram substancialmente idênticas, e ainda por cima, possuíam uma âmbito de aplicação, parcialmente sobreposto.
Importa ainda salientar que no quadro legal da LPTA, os efeitos da declaração de ilegalidade de uma norma, bem como os das decisões de provimento dos recursos do art.51/1/e LPTA e que surgem plasmados no art.11 do ETAF/1984, nos seus termos a sentença que conclua pela ilegalidade do regulamento dispõe de força obrigatória geral e efeitos repristinatórios, mas apenas produz, em regra, efeitos ex nunc. Em casos de excepcional interesse publico, ou quando razões de equidade o recomendem, o tribunal pode, contudo, reportar a produção de efeitos para momento anterior. Não obstante a consagração do regime inverso no que toca aos efeitos no tempo, são evidentes as semelhanças com o regime de efeitos das declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do Tribunal Constitucional ( art.282 CRP), o qual serviu claramente de inspiração ao ETAF/1984.

O novo CPTA uniformizou o regime processual da impugnação de normas, aboliu a dualidade de meios processuais prevista na LPTA, unificando sob a égide de um único mecanismo a impugnação de normas. Contudo, essa unificação é apenas aparente, uma vez que nas palavras de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, à dualidade de meios processuais sucede uma dualidade de regimes quanto aos efeitos da declaração de ilegalidade. Para além da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (art. 73/1 e art.76 CPTA), o que já acontecia na legislação anterior, somos agora confrontados com a possibilidade de uma pronúncia jurisdicional sem esses efeitos obrigatórios gerais, ou seja, com efeitos circunscritos ao caso concreto art.73/2 (recorrendo, porventura, à máxima, tal como refere VASCO PEREIRA DA SILVA, “não me pronuncio em abstracto porque é muito concreto”).
Esta dualidade levanta diversas interrogações, podemos até questionar-nos se não estaremos, na prática, segundo PEDRO DELGADO ALVES, perante dois meios processuais distintos, atentas as diferenças de pressupostos e efeitos.
Resulta dos artigos 72 e 73 CPTA que se admitem dois tipos de pedidos, sujeitos a regimes diferentes: o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral e o pedido de declaração de ilegalidade num caso concreto.
Atente-se contudo ao facto do “novo” regime estabelecer um regime uniforme, tomando como “padrão” o anterior meio processual genérico, ainda que com a introdução de alterações e – espante-se – de restrições aos requisitos de apreciação das normas regulamentares, nomeadamente relativamente ao pressuposto processual – Legitimidade.



2. Modelo Dicotómico de Impugnação e Normas Imediatamente e Mediatamente Operativas:

O CPTA manteve a dicotomia entre normas imediatamente operativas e normas mediatamente operativas. No primeiro caso, as normas produzem efeitos imediatamente na esfera jurídica dos interessados, normas exequíveis por si mesmas, independentemente da prática de um acto administrativo de aplicação (art.73/2); no segundo caso, a disciplina geral e abstracta das normas só é susceptível de operar os seus efeitos através de actos administrativos de aplicação a situações individualizadas (art.73/1).
A distinção opera quanto aos efeitos do pedido de declaração de ilegalidade. Tratando se de uma norma imediatamente operativa, o lesado poderá, desde logo, formular o pedido de declaração de ilegalidade, mas os efeitos da decisão são circunscritos ao seu caso concreto. Nestes termos a decisão não determina a eliminação da norma da ordem jurídica, mas a apenas a sua desaplicação à situação sub júdice, podendo continuar a ser aplicada, no futuro pela Administração. Tem pois, apenas, o alcance de impedir que a norma ilegal possa ser aplicada ao interessado. No que concerne às normas mediatamente operativas, e dado que elas se não projectam, de forma directa, na esfera jurídica dos cidadãos, mas apenas por via de um acto individual e concreto, a formulação do pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, por um lesado ou potencial lesado conduz à eliminação da norma da ordem jurídica, mas está dependente de ter ocorrido já a desaplicação da norma, com fundamento em ilegalidade, em três casos concretos.
A circunstância de uma norma ser imediatamente operativa não impede que seja igualmente objecto de um pedido de declaração de ilegalidade com efeito erga omnes. O que sucede é que tal norma poderá ser impugnada directamente, independentemente da prática de um acto de aplicação, mas com efeitos circunscritos ao caso concreto, ao passo que o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, quando apresentado por simples particulares, terá sempre de preencher os requisitos do 73/1, ou seja depende da ocorrência mediante decisão judicial anterior, de três casos de concretos de desaplicação. É este o único sentido útil, tal como referem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e PEDRO CADILHA, da ressalva contida no segmento inicial do 73/2. Já o Ministério Publico (doravante MP) pode pedir a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral sem necessidade da verificação da recusa de aplicação da norma em três casos concretos (73/3). Diga-se ainda, que o lesado por uma norma directamente aplicável, mas já incidentalmente julgada ilegal por três vezes, não está obrigado a pedir a declaração de ilegalidade dessa norma com força obrigatória geral. Ele pode limitar-se a pedir que a declaração seja proferida com efeitos circunscritos ao seu caso, evitando, desse modo, o risco de se ver confrontado com uma decisão de limitação de efeitos, conforme prevê, por razões de segurança jurídica ou equidade, art.76/2.


3. Pressupostos de aplicação: Pressuposto relativos às Partes - Legitimidade Activa; Pressuposto Relativo ao Processo – Existência de 3 Casos Concretos de Desaplicação.

A legitimidade activa para impugnação de regulamentos, por força do art.73/1, têm-na aqueles que tenham sido ou estejam a ser prejudicados pela sua aplicação imediata (através de actos administrativos) ou imediata ( no caso dos regulamentos directamente operativos), e aqueles que “possam previsivelmente sê-lo em momento próximo”.
Citando MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, no primeiro caso, será possível falar-se de uma legitimidade interessada, sendo o critério aplicável o do interesse directo e pessoal do autor na invalidação da norma. No segundo caso, da legitimidade pré-interessada, o critério, segundo a lei, reconduz-se à previsibilidade de lesão em momento próximo.


3.1. Legitimidade dos Particulares


3.1.1. Legitimidade pré-interessada: A previsibilidade (ou possibilidade) de ocorrência de lesão em momento próximo – Interesse em Agir. (art.73/1)

Exige-se do tribunal, neste caso, dois juízos de prognose de alguma complexidade, inclusive trata-se de um critério muito próximo daquele consagrado no art.63 LPTA e no nº2 do § 47 da lei processual alemã, no fundo, exige-se uma lesão ou uma potencial lesão da esfera jurídica do autor para que este possa deduzir o pedido. O primeiro respeita à existência de uma possibilidade séria de lesão do autor, possibilidade que corresponde portanto a um juízo sobre a verosimilhança dessa ocorrência, não um juízo terminante ou concludente, existindo três casos em que tal lesão pode ocorrer: 1, o autor pode vir a ser abrangido por um acto de aplicação da norma regulamentar desfavorável; 2, o autor pode vir a ser excluído da uma norma regulamentar favorável em virtude da ilegalidade dos pressupostos ou requisitos aí figurados; 3, a última, relativa a de um terceiro sair, ilegitimamente, beneficiado por um acto jurídico ou material de aplicação da norma regulamentar ilegal, em termos que possam considerar-se lesivos da posição jurídica (oposta) do autor da acção de impugnação.
Verificada a possibilidade de lesão do autor, impõe-se, para o considerar como “ pré-interessado”, nas palavras de MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, na impugnação da norma regulamentar, averiguar seguidamente da proximidade temporal da aplicação dessa norma – porque se tal aplicação se anunciar bem possível mas longínqua, não lhe é reconhecida esta legitimidade. [Cumpre perguntar, tal como faz PEDRO DELGADO ALVES, se não será possível, um particular socorrer-se da possibilidade da faculdade do 73/3? Mesmo perante a inexistência de uma eventual lesão? Explicando: saber se o particular for em simultâneo também um actor popular em virtude da sobreposição dos interesses, directo e pessoal, por um lado, e por outro, se também for titular de um interesse ou direito legalmente protegido ao abrigo do art.9/2. Cumpre saber se o particular pode requerer ao MP ( uma vez que este não se encontra dependente de qualquer destes requisitos constantes no nº1 e nº2, maxime, a existência de um potencial lesão ou da existência de 3 casos concretos anteriores de desaplicação) o pedido de declaração de ilegalidade com força obrigatória geral, e por conseguinte constituírem-se assistentes do MP. A resposta parece ser positiva, uma vez que extrapolamos o interesse directo, pessoal e concreto de um particular em especifico, para estarmos perante um bem constitucionalmente protegido e de manifesto interesse publico ao abrigo do art.9/2. Uma outra questão que importa (aproveitando esta problemática) colocar, prende-se com a interpretação do “requerimento” para efeitos do 73/3, ou seja, saber se o MP terá a eventual discricionariedade nos casos em que lhe for requerido a dedução do pedido. Importa perguntar se estamos perante um caso de pedido obrigatório para o MP ou ser-lhe-á permitido elaborar um juízo autónomo a esse respeito? Estará o MP vinculado ao requerimento do particular ou entidades previstas no art.9/2? Parece-me que será necessário ter alguma cautela neste domínio, sob pena de onerarmos o MP com o despoletar de infindáveis processos de impugnação de normas. O mais razoável, será dotar o MP de alguma margem de manobra, impondo-lhe contudo, tal como refere PEDRO DELGADO ALVES e MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, um especial (diria mesmo, especialíssimo) dever de fundamentação nos casos em que opte por não dar seguimento a um requerimento formulado por uma das pessoas e entidades do art.9/2. Não obstando que se possa interpor recurso, junto do tribunal administrativo competente, para o Procurador Geral da Republica, ao abrigo do art.76 dos Estatuto do MP].
A proximidade ou lonjura temporal do acto ou operação de aplicação da norma em causa é sempre relativa, depende das circunstâncias concretas de cada caso, sem se poder apontar, como salienta MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, um padrão teórico ou categorizante absoluto nem geral. Com efeito, cumprirá ao particular demonstrar a previsibilidade e iminência do dano na sua esfera jurídica. A iminência de lesão não poderá, todavia, conduzir a uma diminuição das garantias dos administrados. Se forçarmos o particular a aguardar até ao momento em que a lesão passe de meramente previsível a perigosamente próxima, estaremos a criar um risco desnecessário à sua esfera jurídica, penalizando a diligência processual, o factor a privilegiar na aferição da legitimidade activa deverá ser, a previsibilidade da lesão, remetendo-se a proximidade temporal a um papel complementar para casos de fronteira.


3.1.2. O pressuposto processual da tripla desaplicação judicial (prévia) da norma impugnada (art.73/1/ parte final). Impugnação de regulamentos imediatamente operativos (art.73/2)

Além da questão da legitimidade tratada na sua parte inicial, art.73/1, na sua parte final, institui o pressuposto processual especifico da declaração de ilegalidade com força obrigatória geral de normas administrativas, mediatas ou imediatamente operativas: que a aplicação da norma impugnada já tenha sido recusada em três casos concretos, com fundamento em ilegalidade, pressuposto que só não se aplica aos referidos casos no nº3. Refere MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, que o legislador não quis que se enveredasse por um processo de eliminação judicial de normas jurídicas, com o relevo ordenamental que isso tem (atente-se ao art.76/1 e ao carácter ex tunc da sentença), sem que houvesse já algum prenúncio consistente na sua legalidade (Cumpre infra na exposição averiguar se este argumente procederá…Pelo menos a nível constitucional. Em termos lógicos e de segurança jurídica compreende-se.).
Na falta, de 3 casos de recusa, ou se estivermos perante um norma regulamentar exequível por si mesma, o particular tem legitimidade para o pedido de declaração da ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto, quando os efeitos de tais normas (ou, não esquecer, na falta de 3 casos concretos de desaplicação) se projectam directamente sobre a esfera jurídica das pessoas abrangidas pela sua previsão sem necessidade de um acto administrativo ou jurisdicional de aplicação da referida estatuição. É o que sucede, por via de regra, com normas administrativas que proíbem uma certa conduta aos respectivos particulares, outrora admitida, ou que lhes impõem uma conduta especifica, antes não exigível.
Como referem, mais uma vez citando MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, os meios de reacção contenciosa ao dispor dos administrados, nestas circunstancias, têm de ser diferentes dos previstos para normas só mediatamente operativas. Nesta sede, importa as exigências ou requisitos da lesão ou da previsibilidade de uma lesão próxima, não sendo necessário que a norma impugnada já tenha sido desaplicada em três causas judiciais.
Neste caso a declaração de ilegalidade é pedida com “efeitos circunscritos ao caso concreto”, e assim, referem os mesmos autores, já não são necessários o cuidado e ponderação que se exigem quando se trata mesmo de expurgar três decisões de desaplicação transitada



3.2. Legitimidade do Actor Público (art.73/3)

No que se refere à acção pública, o MP pode pedir a declaração de ilegalidade, mesmo quando não se verifiquem os três casos concretos de desaplicação, não se estabelecendo qualquer condição de eficácia às normas jurídicas, nem estando sujeito ao requisito da lesão, estamos perante a afamada acção publica “desinteressada”. O MP vê ampliada, face ao anterior regime da LPTA, a sua intervenção, do ponto de vista das condições de procedibilidade dos regulamentos, pois tanto pode impugnar normas jurídicas de eficácia imediata, como aquelas de dependem de acto administrativo ou jurisdicional de execução. Saliente-se ainda o dever de pedir a declaração de ilegalidade nos termos do art.73/4



4. Considerações Finais


Uma vez exposto o regime e os consequentes requisitos, quer relativos às partes quer relativos ao processo, o que dizer sobre este regime, nomeadamente face ao regime anterior da LPTA?

Citando VASCO PEREIRA DA SILVA “A apreciação das “novidades” deste regime jurídico do contencioso dos regulamentos levanta um sem-número de questões e as soluções encontradas, são, em muitos casos, fonte de grande “perplexidade””, Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise, pág.418.
Posicionando-nos no topo da pirâmide de Kelsen, importa fazer referência ao regime constitucional, nomeadamente, ao artigo 268.º, n.º 5 da CRP: “Os cidadãos têm igualmente direito de impugnar as normas administrativas com eficácia externa lesivas dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.
Evocando tal preceito constitucional, preceito este de carácter subjectivista (veja-se a referência à lesão dos direitos dos administrados, veja-se também o cerne do art.73/1, que foca a legitimidade do particular na iminência de lesão), importa confrontá-lo com o tratamento do particular em sede de impugnação de normas no actual CPTA, com particular atenção às condições de que depende a impugnação de regulamentos.


Verificámos supra que as condições de legitimidade diferem consoante a legitimidade activa, confronte-se 73/1 e 2 e o 73/3, o MP enquanto defensor da legalidade democrática, não está dependente nem do critério da lesão, nem da existência prévia de 3 casos de desaplicação com fundamento na sua ilegalidade. Ou seja, primeiro restringe-se as possibilidades de o particular poder pedir com força obrigatória geral a declaração de ilegalidade ( particular, que será de facto o verdadeiro lesado pela norma); num segundo patamar, equipara-se o particular ao actor popular, para efeitos do 73/2; depois de comparar e submetendo-os aos mesmos condicionalismos, vêm-se admitir que o actor popular possa solicitar a intervenção do MP, podendo o actor popular constituir-se assistente deste. Tal como saliente VASCO PEREIRA DA SILVA, primeiro não se entende o porquê da diferenciação entre actor popular e actor publico, e depois ( hipótese mais macabra) o actor popular que defende a legalidade e o interesse publico possa constituir-se assistente do MP (art.73/3), sem possuir qualquer interesse na demanda, mas já o particular (reitere-se, este sim o verdadeiro lesado!) não o possa fazer. Perante este contrasenso, VASCO PEREIRA DA SILVA, admite mesmo uma interpretação correctiva de tal preceito, permitindo que o particular se possa constituir como assistente do MP nos processos em questão, socorrendo-se de uma interpretação sistemática, ponderando os interesses em jogo e ainda apelando ao respeito necessário pelo Principio da tutela jurisdicional efectiva.

De facto, é imperioso chamar a atenção para uma eventual inconstitucionalidade dos referidos números 1 e 2 do art. 73 CPTA, nomeadamente por 2 ordens de razões. Passo a explicar:


1.

É vedado ao particular a possibilidade de suscitar a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral quando não se encontrarem reunidos três casos concretos de desaplicação da mesma, o particular não pode usar mão deste meio, parecendo tal restrição ir contra o cariz subjectivista do referido preceito constitucional.
VIEIRA DE ANDRADE, salienta que os direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares são plenamente protegidos quando se trata da declaração com efeitos restritos ao caso concreto, não há qualquer requisito adicional, bastando que os efeitos da norma se produzam imediatamente e que lesem o particular, assim se respeitando o artigo 268.º, n.º 5 da CRP. Quanto à declaração com força obrigatória geral, como o próprio autor salienta, desta ressalta um cariz mais objectivista, perspectivando a questão como de interesse público, permitindo a intervenção mais facilitada do MP.
VIERIRA DE ANDRADE, acaba por espelhar o pensamento de VASCO PEREIRA DE SILVA, quando este refere que o MP é hoje o actor principal do contencioso de impugnação de normas: sem qualquer condicionalismo, seja a norma exequível ou não. No pólo oposto encontra-se o particular, o efectivo lesado, apenas pode impugnar a norma não exequível havendo três casos concretos de desaplicação, e quando se trate de norma exequível, se aqueles três casos não estiverem reunidos também só pode requerer a declaração de ilegalidade com efeitos circunscritos ao caso concreto.
Face ao exposto, penso ser manifesto o carácter objectivista, inclusive mais objectivista do que vigorava na LPTA. Saliente-se o primeiro ponto desta exposição. A declaração de ilegalidade de normas administrativas impunha que a norma ou fosse exequível por si mesma, ou tivesse sido declarada incidentalmente ilegal em três casos, sendo que o meio especial de impugnação de normas, o qual se aplicava apenas aos regulamentos da administração local, não estava sujeito a este requisito de desaplicação em três casos concretos. Hoje, quando a norma for imediatamente aplicável, é possível requerer a sua ilegalidade, sem necessidade de três casos de desaplicação, é possível, mas repare-se nos efeitos dessa declaração! “Circunscritos ao caso concreto”(73/2)!
É notório que o actual regime implica uma forte restrição ao princípio da tutela jurisdicional efectiva retratado no artigo 268.º, n.º 5 CRP. E os fundamentos para tal restrição, a este direito fundamental, serão válidos? Passarão pelo crivo do Principio da proibição do Excesso?


2,
Chame-se novamente à colação os argumentos de MÁRIO e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, que referem que o legislador não quis que se enveredasse por um processo de eliminação judicial de normas jurídicas, com o relevo ordenamental que isso tem, sem que houvesse já algum prenúncio consistente na sua legalidade. Se é certo que, perante os efeitos ex tunc da sentença, art. 76/1, estes efeitos exigem as maiores cautelas, uma vez que vamos erradicar da ordem jurídica uma norma jurídica, já o MP pode fazê-lo a todo o tempo, sem qualquer restrição, uma vez que este estaria a defender um interesse público, não esquecer que estamos no âmbito da acção pública”desinteressada”. Contudo no regime da LPTA, tal segurança jurídica aquando da erradicação da norma da ordem jurídica, era salvaguardado pelos efeitos ex nunc da sentença, art. 11 ETAF/1984( veja-se o que se disse no ponto 1 desta exposição), não se compreende que agora a segurança jurídica e o “relevo ordenamental” já possa servir ( mediante os condicionalismos impostos, desaplicação de 3 casos concretos ou caso contrário o particular só poderá pedir a declaração com efeitos circunscritos ao caso) para restringir um direito fundamental, marcadamente subjectivista, art.268/5 CRP!


Ana Catarina Matos, Subturma 8

Dos Procedimentos Cautelares

Os processos cautelares vêm previstos nos arst.112 a 134 CPTA.
Uma providência cautelar consiste nem processo judicial instaurado como preliminar a uma acção, ou na pendência desta, como seu incidente, destinado a prevenir ou afastar o perigo resultante da demora a que está sujeito o processo principal.
Providências cautelares caracterizam-se fundamentalmente pelos traços da:
1. Instrumentalidade: em relação ao processo principal. Apenas podem ser desencadeadas por quem tenha legitimidade para desencadear o processo principal e definem-se por referência a este;
2. Provisoriedade: possibilidade de o tribunal revogar, alterar ou substituir, na pendência do processo principal, a sua decisão de adoptar ou recusar a adopção de providências cautelares se tiver ocorrido uma alteração relevante das circunstâncias inicialmente existentes;
3. Sumariedade: tribunal deve proceder a meras apreciações superficiais, baseadas num juízo sumário sobre os factos a apreciar, evitando antecipar juízos definitivos que, em princípio, só devem ter lugar no processo principal.
Como modalidades de providências cautelares temos:
Providências conservatórias: situações em que o interessado pretende manter ou conservar um direito em perigo, evitando que ele seja prejudicado por medidas que a administração venha a adoptar.
* Neste caso, se tiver sido emitido um acto administrativo de conteúdo positivo, procede-se à suspensão da eficácia do acto (possibilidade prevista no art.112/1/a) e especificada nos art. 128 e 129).
A este propósito, cumpre distinguir os actos administrativos positivos dos actos administrativos negativos. Segundo o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, a sua distinção assenta no seguinte:
Actos positivos: introduzem na ordem jurídica efeitos jurídicos pretendidos e solicitados por alguém. Ex: emissão de uma licença de construção requerida por um particular.
Actos negativos: recusam a introdução de tais efeitos. Ex: indeferimento da mesma licença.
* Nas demais situações, a tutela cautelar concretiza-se na imposição provisória de uma ordem no sentido de a Administração não realizar certa actividade ou porventura cessar essa actividade (art.112/2/f)). Tal pode acontecer quando o interessado pretenda que a Administração se abstenha de realizar operações materiais que não surjam em directa execução de actos administrativos ou quando a providência cautelar se destine a complementar a suspensão da eficácia de um acto administrativo (ex: não promoção de um funcionário enquanto esteja pendente a definição da situação de um seu concorrente directo).
Providências antecipatórias: por vezes, é conveniente antecipar, a título provisório, o resultado favorável pretendido no processo principal. Nestas situações, a tutela cautelar caracteriza-se na imposição de uma ordem no sentido de a Administração adoptar as medidas necessárias para minorar as consequências do retardamento da decisão sobre o mérito da causa.
Relativamente ao momento da propositura, art.114/1 diz-nos tanto podem ser requeridas antes, como simultaneamente ou mesmo depois da propositura da acção principal, sendo tal requerimento apresentado no tribunal competente para julgar o processo principal (art.114/2).
O processo cautelar é um processo urgente e tem tramitação autónoma em relação ao processo principal, sendo apensado a este (art.113/2).
No que concerne à legitimidade, esta cabe aos particulares (referência no art.112/1), ao Ministério Público (art.124/1) e a quem quer que actue no exercício da acção popular ou impugne um acto administrativo.
Das providências referidas na alíneas do art.112/2, apenas a suspensão de eficácia (alínea a)) e a regulação provisória do pagamento de quantias (alínea e)) são alvo de regulação específica, nos arts.132/6 e 133/2, respectivamente. De resto, os critérios de que depende a concessão de providências cautelares são quase unitariamente definidos no art.120. O nº1 do art.120, alíneas b) e c) prevê critérios diferenciados, conforme se tratem de providências conservatórias ou providências antecipatórias.
O art.121 prevê um fenómeno de convolação da tutela cautelar em tutela final urgente que se concretiza na antecipação, no processo cautelar, da decisão sobre o mérito da causa. Para que este art. seja aplicado, necessário é que se respeitem os seguintes requisitos:
- Estejam em cause interesses de especial importância, nomeadamente direitos fundamentais;
- O Tribunal entenda que possui todos os elementos necessários para a boa apreciação da causa principal;
- Seja necessária a decisão a título definitivo da causa principal.
O art.120/2 profetiza a hipótese de a parte que discorde da antecipação, considerando que não se encontram preenchidos estes requisitos, possa recorrer da decisão, ao abriga das regras dos art.s140 e seguintes, no propósito de represtinar o processo cautelar. Note-se, contudo, que o eventual recurso que seja interposto dessa decisão não tem efeito suspensivo.
Questão interessante é a seguinte. Freitas do Amaral veio defender que caso o Tribunal possua uma dúvida insanável sobre se deve ou não conceder a providências que lhe seja solicitada pelo particular dever-se-à analisar o conteúdo do direito que está em causa. Deste modo, caso se trate de um direito fundamental do particular, o Tribunal deve dar prioridade a este decretando a providência cautelar. Se não estiver a a Administração Pública alegar a necessidade de decidir ou executar uma decisão para prosseguir um forte interesse público que corresponda a uma das tarefas fundamentais da Administração Pública definidas na Constituição, e que tenha carácter urgente, não podendo portanto esperar pela decisão do processo principal, então o Tribunal deverá indeferir o requerimento da providência cautelar. A garantia dos direitos fundamentais deve presumir-se, salvo prova em contrário, prioritária em relação à protecção de interesses públicos.
O art.126 protege a Administração e os contra-interessados contra danos resultantes do abuso da tutela cautelar por parte de quem, com dolo ou negligência grosseira, tenha feito valer pretensões infundadas.
O art.127 salvaguarda a efectividade das pronúncias que concedam providências cautelares.
O art.128 regula a posição em que a Administração é colocada entre o momento em que recebe o duplicado do pedido de suspensão e aquele em que o tribunal se vem a pronunciar sobre esse pedido, sendo que durante esse período de tempo ela não poderá iniciar ou prosseguir a execução do acto, e, os actos indevidamente praticados poderão ser declarados ineficazes pelo Tribunal.
No art.131 prevê-se a decretação provisória da providência cautelar, podendo esta acontecer em dois casos:
1. Quando o exercício de um direito, liberdade ou garantia apenas seja possível num curto espaço de tempo, que não se coadune com o procedimento cautelar normal
2. Quando, não obstante não se encontrarem preenchidos os anteriores requisitos, exista uma situação de espacial urgência.
O art.132 esclarece algumas questões relativas à adopção de providências cautelares relativas a procedimentos de formação de contratos.
Bibliografia:
- ALMEIDA, Mário Aroso de – "O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos", 2005, Almedina
- ALVES, Eduardo André Galante - "O Procedimento Cautelar no Novo Contencioso Administrativo" - Tese de Mestrado, 2008, Faculdade de Direito de Lisboa
- AMARAL, Diogo Freital de - "As Providências Cautelares no Novo Contencioso Administrativo" in Cadernos de Justiça Administrativa, Nº 43
- ANDRADE, José Carlos Vieira de – "A Justiça Administrativa", 2007, Almedina

A relação jurídica administrativa como uma referência para o CPTA

A jurisdição administrativa (e fiscal) está constitucionalmente delimitada como tendo por objecto os litígios emergentes de relações jurídicas e administrativas (e fiscais).


Quanto à origem histórico-legislativa, a relação jurídica administrativa, fez a sua primeira aparição ao nível legislativo, como critério de delimitação da jurisdição administrativa, no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais integrado na reforma do contencioso administrativo de 1984/1985, que inclui igualmente a aprovação da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos.


Os artigos 3.º, 4.º, e 9.º do ETAF/84 operaram a consagração da relação jurídica administrativa “minimalista”, no quadro de uma jurisdição ainda muito limitada face à jurisdição judicial, entendida ainda como jurisdição comum, única com os meios capazes de oferecer suficiente protecção aos direitos dos particulares.


A Revisão de 1989, operou uma verdadeira revolução na matéria do contencioso administrativo, sendo possível indicar como uma das suas linhas de força a valorização da jurisdição administrativa, expressa na introdução da garantia institucional da existência de tribunais administrativos e fiscais (até aí apenas facultativos), conjugada com a atribuição, a tais tribunais, de jurisdição sobre os litígios relativos a relações jurídicas administrativas e fiscais.


Em 1992, ocorre um novo momento relevante no percurso da relação jurídica administrativa ao nível legislativo, com a entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo, não adoptando como critério explicativo fundamental a relação jurídica administrativa. Todavia, permitiu a entrada da ralação jurídica administrativa na definição de contrato administrativo, que foi definido como “o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa” (178.º/1 do CPA).


Actualmente, a relação jurídica administrativa surge como critério para a delimitação do âmbito da jurisdição (arts. 1.º e 4.º do ETAF), e também como um verdadeiro conceito central do sistema de justiça administrativa em Portugal.


Saliente-se ainda que a relação jurídica administrativa, além de determinar o âmbito da jurisdição, serve de referencial básico da estruturação dos meios processuais, com destaque para a forma clara como isso resulta:
· No âmbito da acção administrativa especial de condenação à prática do acto devido, se disser expressamente que, mesmo quando a Administração haja praticado acto de indeferimento expresso, o objecto do processo é a pretensão do interessado (relação subjacente), tal como no modelo alemão (art. 66.º/2 do CPTA);
· Manifesta abertura ao dinamismo da relação jurídica administrativa, nomeadamente com as diversas situações de possibilidade de alteração do objecto do processo quando este já esteja em curso, repercutindo-se a relação substantiva na relação processual (artigos 48.º, 63.º a 65.º e 70.º do CPTA);
· A possibilidade de cumulação de pedidos, pois a actividade administrativa pode desenvolver-se nos seus diversos momentos, através de actos, contratos, regulamentos, operações materiais, cujo tratamento separado não reflecte a relação substantiva mantida entre a Administração e os cidadãos (artigos 4.º, 47.º, 61.º do CPTA);
· Valoriza-se claramente a relação jurídica administrativa ao nível da atribuição de legitimidade processual, não só na regra geral do art. 9.º/1 do CPTA, mas também nas regras específicas da legitimidade, entre as quais se pode chamar a atenção para o artigo 40.º, que atribui legitimidade processual a diversas categorias de “terceiros”.


Importa agora, compreender o conceito de relação jurídica administrativa, nomeadamente no que toca a saber qual a abertura de tal conceito.
Para GOMES CANOTILHO, critério qualificante da relação jurídica administrativa é o facto de a mesma ser regida por normas jurídico-administrativas.


Já para o Professor SÉRVULO CORREIA entende-a como “sistema complexo de situações jurídicas activas e passivas, interligadas em termos de reciprocidade, regidas pelo Direito Administrativo e tituladas pela Administração e por particulares ou apenas por diversos pólos finais de imputação pertencentes à própria Administração”


VIEIRA DE ANDRADE defende, já em face ao artigo 4.º do novo ETAF, sugere que se adopte uma noção “prudente” da relação administrativa, que seria, no entender do Autor, a tradicional relação jurídica administrativa “no sentido de relação de direito administrativo”, quanto à definição de relação jurídico-pública, opta o Autor por um critério que qualifica como estatutário, que combina sujeitos, meios e fins, em que um dos sujeitos pelo menos seja uma entidade pública ou uma entidade particular no exercício de um poder público, actuando com vista à realização de um interesse público legalmente definido.


Também CARDOSO DA COSTA, dá conta da definição “tradicional” de direito administrativo como sentido aquele que rege a administração pública em sentido “compósito”, constituída por um elemento subjectivo ou orgânico (os órgãos administrativos), e por um elemento funcional, ligado a uma actividade ou função materialmente administrativa; este segundo elemento determinaria, com efeito, a qualificação do direito que a regula como Direito administrativo, mas apenas se fosse “acrescentada”, por assim dizer, ao “substrato” orgânico-subjectivo.


Quanto a COLAÇO ANTUNES, defende que o traço característico da actuação da Administração Pública é o da mesma “vir sempre referida à prossecução do interesse público (mesmo servindo-se do direito privado) e a uma situação de imposição de autoridade de consequências jurídicas”. Sendo por isso, a existência de um poder de autoridade juridicamente atribuído à Administração, um pressuposto da relação jurídica administrativa.


No que concerne à jurisprudência, importa ter em conta quer a posição do Tribunal Constitucional, quer a do Supremo Tribunal Administrativo.


Quanto ao primeiro, este entendeu no Acórdão n.º746/96, de 29 de Maio de 1996 (Processo n.º 317/95 1.º secção), as relações jurídicas administrativas como “as relações jurídicas que sejam de direito administrativo (relações jurídicas administrativas públicas ou em que um dos sujeitos, pelo menos, actue na veste de autoridade pública, munido de um poder de imperium, com vista à realização do interesse público legalmente definido)”.


O Supremo Tribunal Administrativo, por sua vez, num Acórdão de 19.11.2003, processo n.º 1465/02, entendeu que “ as relações jurídicas administrativas existem quando a lei confere poderes de autoridade ou impõe restrições de interesse público à Administração perante particulares, ou (…) atribui direitos ou impõe deveres públicos aos particulares perante a administração”.


Contudo um sector da Doutrina, vem sugerindo uma alteração de paradigma, em relação às posições anteriores, e em relação aos conceitos de Direito administrativo e Administração Pública. Pois agora chega-se mesmo a questionar a fronteira entre o Direito Público e o Direito Privado, podendo assim ser alcançado um entendimento alargado da relação jurídico-administrativa, sendo possível por isso, abranger a actividade administrativa levada a cabo através de formas privadas.


Desta forma, o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA, entende que as relações jurídico-administrativas são “as concretas ligações entre os privados e as autoridades administrativas (ou entre as próprias autoridades administrativas), criadas por um qualquer facto (actuação da administração ou do particular, contrato, evento natural, etc.), juridicamente relevante, e tendo por conteúdo direitos e deveres previstos na Constituição e nas Leis, ou decorrentes de contrato, ou de actuação unilateral da Administração”.


Em suma, só assim poderemos compreender a redacção dada pela Lei n.º59/2008, de 11 de Setembro, com a entrada em vigor a 01-01-2009, ao artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, percebendo assim também, a alteração de paradigma, que o Professor VASCO PEREIRA DA SILVA nos propõe.



BIBLIOGRAFIA
· LEITÃO, ALEXANDRA, A protecção Judicial dos Terceiros nos Contratos da Administração Pública, Coimbra: Almedina, 2002.
· ASCENSÃO, JOSÉ DE OLIVEIRA, Teoria Geral do Direito Civil, vol.IV, Título V. Lisboa, 1993, p.25.
· CANOTILHO, GOMES, Relações jurídicas poligonais, in RJUA, n.º1, 1994, p.56. CANOTILHO, GOMES / MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra: Coimbra Editora, 3ª Edição, 1993, p. 815.
· ANDRADE, VIEIRA DE, A Justiça Administrativa (Lições), Almedina, 2009.
· COSTA, CARDOSO DA, “A jurisprudência constitucional portuguesa em matéria administrativa”.
· SILVA, VASCO PEREIRA DA, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, 2003.
· ANTUNES, COLAÇO, A Teoria do Acto e a Justiça Administrativa – O Novo Contrato Natural, Almedina, 2006.

Catarina Pinho, 16552, subturma 8

Recurso hierárquico necessário...

Antes de proceder-mos, in concreto, á analise da conveniência do recurso hierárquico necessário, impõe-se antes de mais, um breve enquadramento histórico da questão.Ora, anteriormente à reforma do contencioso administrativo, fazia-se a distinção entre recursos hierárquicos necessários e facultativos.
Como refere o Prof.Vasco. P.Silva, esta discussão apresenta-se como um resquício dos “traumas de infância” infligidos ao contencioso administrativo pelo sistema de administrador-juíz.A executoriedade e definitividade (horizontal e vertical) do acto eram necessárias para que este fosse impugnável, sendo que hoje só se exige a sua eficácia externa.Nesta senda, na medida em que o acto fosse definitivo e executório, o recurso hierárquico seria facultativo. Não o sendo, o particular via-se constituído na obrigação de esgotar todas as garantias administrativas ,findas quais poderia, e só ai, impugnar contenciosamente o acto( donde a qualificação do recurso hierárquico como “necessário”, necessário para efeitos de impugnação contenciosa do acto do subalterno).Seguindo Marcello Caetano: “se o acto não for praticado por agente de quem possa recorrer-se para os tribunais, o recurso hierárquico visa alcançar a decisão final de outra autoridade de cujos actos (...) seja permitido por lei recorrer contenciosamente (...) é necessário para se poder transformar o acto do subalterno noutro contenciosamente recorrível”; “se o acto a impugnar é desde logo definitivo e executório (...) o recurso hierárquico que dele porventura seja interposto é um simples tentativa de resolução do caso fora dos tribunais (...) trata-se de um recurso hierárquico facultativo”.Ora, a quaestio subjacente a este comentário surgiu ,grosso modo, pelo necessidade de articular a aplicação de dois preceitos, prima facie, incompatíveis.A saber:nº 5 do art. 59º CPTA e 167º nº 1. Isto, porque se anteriormente se exigia a definitividade e executoriedade do acto para efeitos da sua impugnação, agora apenas se exige a sua eficácia externa (art. 58/1 CPTA).Este problema, coloca-se em sede da definitividade do acto, a qual é susceptível de ser “repartida” em: horizontal, ou seja, o acto põe termo ao procedimento (com a introdução da primeira parte do art. 51º nº 1, já não há argumentação possível que sustenha este requisito); e vertical, que pressupõe a inexistência de um órgão para o qual se possa hierarquicamente recorrer.Como parece evidente, o recurso hierárquico necessário respeita à dimensão vertical da definitividade, discutindo-se então se os nº 4 e 5 do art. 59º representam o marco final na definitividade vertical ou se em alguns casos ela representa ainda um requisito para a eventual impugnabilidade do acto administrativo.

Posições Doutrinárias:

Antes da reforma do contencioso administrativo, já Vasco Pereira da Silva advogava a favor inconstitucionalidade deste instituto.
Para este autor, a expurgação dos critérios da definitividade e executoriedade do texto Constitucional (art. 268º nº 4), implicou a perda da ratio subjacente à previsão pela lei ordinária de situações de esgotamento de garantias administrativas para efeitos de impugnação de um acto administrativo.Esta previsão, constitui um resquício do sistema de administrador-juíz, não muito longe da regra de exigência de decisão prévia, prevista no sistema Francês, a qual estabelece uma espécie de pré-contencioso ( isto porque e na medida em para se accionar a jurisdição administrativa é necessário interpor previamente um recurso da decisão).Assim, à semelhança do que sucede no recurso hierárquico necessário, é conferido à Administração Pública o direito de se pronunciar uma última vez sobre o conflito existente entre esta e o particular.Ora, esta relação(passível de ser apelidada de promíscua) entre administração e justiça, por força do obstáculo artificial criado ao particular, acaba por redundar na preclusão do direito de acesso aos tribunais. O acto já reunia todas as condições para a sua impugnação, pelo que o que a lei vem estabelecer não acrescenta argumentos que levem a uma melhor decisão por parte do Tribunal, tratando-se portanto de diligências inúteis, contrárias na substancia, ao espírito da lei.( nomeadamente o art. 8º nº 2 CPTA).Na afirmação da inconstitucionalidade do instituto, Vasco Pereira da Silva, apoia-se basilarmente num conjunto de argumentos que cumpre precisar.
-Em primeiro lugar, afirma o autor, a existência de uma violação do princípio da plenitude da tutela dos direitos dos particulares (art. 268º nº 4 CRP),porquanto constitui uma negação do direito fundamental de recurso contencioso, a sua recusa quando não tenha havido impugnação administrativa prévia.
-Por outro lado, a exigência da utilização da garantia administrativa prévia, sob pena de ser precludido o direito de acesso ao tribunal, constitui uma violação do princípio constitucional da separação entre administração e justiça,tal como consagrado nos art. 114º, 205º e segs, 266º e segs CRP.
-O princípio da desconcentração administrativa (art. 267º nº 2 CRP), implica “a imediata recorribilidade dos actos dos subalternos sempre que lesivos, sem prejuízo da lógica do modelo hierárquico da organização administrativa, pois o superior continua a dispor de competência revogatória (art. 142º do CPA)”.

-Por ultimo, o princípio da efectividade da tutela (art. 268º nº 4 CRP). Isto, porque o reduzido prazo de 30 dias (art. 168º nº 2) pode levar a que na prática, seja inviável o exercício do direito e consequentemente a uma violação do seu conteúdo essencial.Destarte, para alem destes argumentos relativos á constitucionalidade, a verdade é que existem outros argumentos passíveis de invocação contra a manutenção do recurso hierárquico necessário.

-Dada a identidade material entre os actos do subalterno e do superior hierárquico,a actuação do subalterno preenche um tipo legal perfeito que produz efeitos imediatos.Com efeito, a verdade é que se o particular nada decidir fazer, o acto produzirá os seus efeitos normalmente, sem qualquer intervenção do superior hierárquico. “Ambos são decisões provenientes de autoridades administrativas, no domínio do direito público, que produzem efeitos jurídicos de carácter individual e concreto, sendo os dois igualmente susceptíveis de lesar os direitos dos particulares”.-Quanto ao argumento de Aroso de Almeida(vide infra)de que as leis avulsas seriam leis especiais em relação à regra geral do CPTA, escalerece Vasco Pereira da Silva que a ser a regra geral( o recurso hierárquico), nos moldes previstos anteriormente à reforma, as leis avulsas seriam meramente confirmativas e portanto com a revogação da regra geral, não é necessário referir que todas as outras repetições dessa regra são também revogadas. Assim, a admitir recurso hierárquico, só para situações a criar no futuro.Salienta ainda o autor que o problema está mal colocado. Para além da caducidade destas leis, por inconstitucionalidade, elas caducam também por falta de objecto.

Assim se, “a única razão de ser da exigência de recurso hierárquico necessário era a de permitir o acesso ao juíz, e se, agora, o Código de Processo estabelece que tal garantia prévia não é mais um pressuposto processual de impugnação de actos administrativos, então isso só pode significar que a exigência do recurso hierárquico em normas avulsas deixa de ter consequências contenciosas” (Silva,Pereira Vasco , De necessário a útil: a metamorfose do recurso hierárquico no novo contencioso administrativo ).
Atenta também o autor na prolixidade de se afirmar que deixando de ser um pressuposto para se impugnar o acto, o recurso hierárquico possa continuar a ser exigido, criando uma situação tal de incoerência em que haveria um recurso “hierárquico desnecessário necessário”.Ainda assim, esta figura é provida de utilidade, isto porque tem uma vantagem para o particular que o o recurso contencioso não tem, a suspensão imediata dos efeitos do acto. Para além disso, a contagem do prazo para recurso contencioso é suspensa, daí que não seja prejudicado o acesso aos tribunais.Para uma maior utilidade e melhor funcionamento das garantias graciosas, propõe que a suspensão dos efeitos do acto seja alargada a todas as outras garantias e, que sejam tomadas medidas para garantir a estas figuras maior eficiência e imparcialidade, nomeadamente que sejam criados órgãos à semelhança dos tribunals britânicos. Contudo, nunca o direito de acesso directo aos tribunais poderia ser posto em causa por estas medidas.

A favor da Constitucionalidade e manutenção do recurso hierárquico necessário parece ser a posição do Prof. Mário Aroso de Almeida, para quem a introdução dos nº 4 e 5 do Art. 59º CPA, não vem acabar com a figura do recurso hierárquico, ainda que seja inquestionável que o campo de acção desta figura sofreu um severo golpe e que, em termos gerais, o Código parece manifestar preferência pela não imposição de barreiras administrativas ao recurso contencioso.Para o ilustre professor, as diversas leis avulsas que estabelecem recursos hierárquicos necessários mantêm-se, pelo que nesses casos concretos é necessário recorrer administrativamente para efeitos de posterior impugnação contenciosa do acto. Acrescenta o mesmo, que pelo número de leis que estabelecem este instituto, a falta de menção expressa pelo CPTA de que com ele pretendia terminar , significa que estas leis passam a ser especiais em relação à lei geral. Será portanto um caso em que a norma geral é afastada, e a isso não obsta o facto de as leis especiais serem anteriores, pois segundo o art. 3º do Código Civil, na falta de “intenção inequívoca do legislador” isso será permitido.Neste sentido, por não fazer mais que reconhecer a existência desta figura, parece apontar o art.167º .O que ele faz é reconhecer que só deve haver lugar a recurso hierárquico necessário, quando este resulte de uma opção “consciente e deliberada” do legislador.Outra consequência da reforma, é a revogação tácita do art. 164º do CPA, pelo art. 59º nº 4, “que só atribui efeito suspensivo à reclamação quando o acto a que ela se reporta esteja sujeito a impugnação administrativa necessária”.Em consequência da extinção da figura do indeferimento tácito, ter-se-á de ler o nº 3 do art. 175º a uma luz diferente, devedo ser o mesmo ser interpretado o no sentido de que “a falta de decisão do superior confere ao interessado a faculdade de lançar mão do meio de tutela adequado à protecção dos seus interesses”.No que toca á questão da constitucionalidade , entende o autor que com a reforma constitucional de 1989 e consequente queda do requisito da definitividade do acto administrativo expresso na lei(parte da doutrina entende que este passou a ser proibido, ficando deste modo vedada a possibilidade de se estabelecerem recursos hierárquicos necessários),apesar de deixar de ser um requisito geral, nada obsta no texto constitucional a que por lei se possam estabelecer tais meios de impugnação administrativa. Acrescenta, contudo, que como qualquer outro pressuposto processual, têm de respeitar o crivo constitucional e subjacentes critérios de constitucionalidade. Assim, terá de de se aferir,in concreto, “se essa imposição envolve um condicionamento excessivo, desproporcionado e, por isso ilegítimo do direito fundamental de acesso à justiça administrativa.”Por outro lado, cumpre esclarecer o porque da não violação do postulado geral de desconcentração da administração imposto pelo nº2 do art. 267º.
Ora, sendo o recurso hierárquico necessário objecto de uma ponderação específica do legislador sempre que é introduzido, será congruente com o disposto na C.R.P., visto que esta não exige uma desconcentração total(neste sentido basta atentar o texto constitucional: “sem prejuízo da eficácia e unidade da Administração e dos poderes de direcção, tutela e superintendência dos órgãos competentes.”Assim, haverá lugar a esta figura, sempre que se mostre adequado e conveniente, pois é essa a intenção da Lei Fundamental.

Por outro lado, Vieira de Andrade a titulo de comentário ao acórdão 499/96 do TC salienta, que o recurso sub judicio não constitui uma qualquer obstrução ao acesso ao recurso contencioso.Com efeito, o art. 268º nº 4 “visa conferir aos cidadãos o direito ao recurso contencioso, contra qualquer acto de autoridade lesivo dos seus direitos” sendo o recurso hierárquico necessário comparável a qualquer outro pressuposto processual que se possa impor .Nem será sequer uma obstrução “em espécie, porque o acto do subalterno acaba por ser ele próprio, impugnado, na medida em que fica incorporado no acto do superior”.Salienta ainda o autor que ainda que contrário ao princípio da desconcentração, o recurso hierárquico não o ofende “pois só existe onde a lei não tenha optado por competências exclusivas dos subalternos ou não abra a possibilidade de delegação (ou esta não tenha sido utilizada)”.Reconhecendo, que a preclusão do recurso contencioso é uma clara desvantagem, afirma que não sendo necessário patrocínio judiciário para a apresentar, nem qualquer complexa argumentação jurídica, em suma “quase basta mostrar discordância relativamente ao acto praticado”, o prazo geral estabelecido é suficiente. Assim, só no caso previsto no art. 170 nº 1, será portanto, pertinente levantar a questão da constitucionalidade. Contudo, segundo o autor, “se a não suspensão de efeitos decorrer da lei, não se podem ignorar os motivos que levaram o legislador a estabelecê-la; caso decorra da vontade do autor do acto, poder-se-á sempre recorrer aos tribunais para que se pronuncie sobre a eficácia desta opção”.Embora advertindo sobre o dever dos tribunais de garantir “uma tutela judicial efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos”, conclui, de resto tal como Aroso Almeida, pela constitucionalidade do instituto e admissibilidade do recurso imediato (e o pedido de suspensão judicial de eficácia) caso uma solução contrária prejudique em termos desrazoáveis o direito ao recurso contencioso.

Perante esta conjuntura argumentativa, cumpre agora concluir.

Abstraindo da questão da constitucionalidade, parece possível apontar algumas notas positivas do instituto, assim:
-suspende a eficácia do acto recorrido, que é porventura o maior dos benefícios que o particular pode ter num sistema de administração executiva;
-dispensa o patrocínio por advogado, é informal, é fácil de interpor, é barato e é rápido;
-obriga à decisão de um órgão administrativo mais qualificado;
-permite o controlo do mérito.

Com efeito, com as devidas garantias de independência do órgão que analisa o recurso, este pode ser a chave para obviar a um processo mais moroso e custoso em tribunal, com a vantagem de que neste caso a decisão também se poderia fundar no mérito do acto. Contudo, a verdade é que em face do novo Contencioso Administrativo, dificilmente se poderá afirmar a admissibilidade do recurso hierárquico necessário.Com efeito, parece possível inferir(talvez com excessiva facilidade) da redacção do art. 59º/5 CPTA uma intenção expressa e inequívoca do legislador no sentido da eliminação de qualquer condicionamento á impugnação contenciosa. O preceito ao determinar que nenhuma impugnação administrativa condicionará a interposição de recurso contencioso, é claro nesse sentido. Assim, em tudo o que se revelar incompatível , os art.s 167º; 168º e 170º CPA, não podem senão ter-se por revogados.
Contudo, não me parece, prima facie, procedente, a argumentação segundo a qual as normas antigas que previam o instituto fossem meramente confirmativas.Com efeito, como foi supramencionado, não faria qualquer sentido que sendo o recurso hierárquico necessário o regime geral, tais normas não sendo especiais fizessem questão de “reafirmar” a sua aplicação(do regime do recurso necessário).Sendo regra geral não teriam de o fazer, pois já seria , per se ,aplicável. Ora esta reafirmação só faz sentido, se a justificarmos á luz das eventuais particularidades das situações que tais normas visam regular. Porque especiais, em relação ao regime geral, não podem por isso ter-se como revogadas. Assim, no meu entender, tais normas continuam em vigor, e o recurso continua em relação a elas, a ser necessário.
Contudo, em ultima analise, tudo dependerá de indagar se as razoes justificativas da reafirmação( e da necessidade) do recurso hierárquico necessário por tais normas ainda persistem , se assim não for, aí sim terão caducado por falta de objecto.